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9 de março de 2019 / carlostrapp

Separação dos Poderes, Ditadura e Democracia

Está sendo votado no Supremo Tribunal Federal (STF) a chamada criminalização da “homofobia”. As atividades começaram na semana passada e devem continuar hoje, dia 20 de fevereiro.

O fato tem chamado à atenção, principalmente, de grupos cristãos, pois veem com preocupação tal atividade, porque pode afetar a liberdade religiosa. Por causa disso, cristãos tem se manifestado a respeito do assunto.

Por isso, destaco, resumidamente, um documento do Juiz Federal, Professor, Mestre em Direito e Pós-Graduado em Políticas Públicas e Governo, William Douglas, e de Rogério Greco, que é Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Pós-Doutor, Doutor e Mestre em Direito, conforme segue:

Separação dos Poderes, Ditadura e Democracia
Foi veiculado nos meios de comunicação jurídicos que está pautado o julgamento da ADO 26 e do Mandado de Injunção 4.733 para o dia 13/2/2019. Nestas ações, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros – ABLGBT e o Partido Popular Socialista – PPS querem que o STF declare a omissão do Congresso em legislar, de maneira que pedem ao Supremo para criar o crime de homofobia por meio de analogia ao crime de racismo. A consequência prática é que o STF inseriria na figura típica do crime de racismo, por sinal imprescritível e inafiançável, a homofobia. Vale começar dizendo isso: somos contra a homofobia. Pensamos também que ao se legislar sobre ela deve ser feita a distinção entre homofobia (algo reprovável) e opinião e expressão do pensamento (que são direitos humanos).

A questão, no âmbito jurídico, é que o pedido afronta o art. 2º da Constituição que trata da separação dos Poderes, que devem atuar em harmonia. É óbvio que NÃO cabe ao STF fazer leis, por mais que algum (ou vários) Ministro possa gostar ou querer essa oportunidade. O STF é fruto da CF e seu guardião, não pode agir como se fosse seu dono ou desrespeitá-la a seu bel-prazer. Quem quer fazer leis deve se submeter ao tormentoso e difícil escrutínio do voto popular.

A matéria é de Direito Constitucional e de Direito Penal também, além de tratar de direitos e garantias fundamentais: a Constituição Federal é extremamente clara em seu art. 5º, XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Estamos diante de uma norma que é cláusula pétrea (art. 60, § 4º, da CF), não podendo ser objeto sequer de emenda constitucional. Só a lei pode criar crime, nunca uma decisão judicial, mesmo que do STF.

Ao Congresso cabe a tarefa de definir “homofobia” e sua extensão.

Qualquer estudante no início da faculdade de Direito sabe que não é possível que o Judiciário crie um tipo penal, muito menos existe a possibilidade de analogia in malam partem, ou seja, uma extensão, uma equiparação, onde se insere por equiparação a um crime uma outra situação não prevista como tal. A lei do racismo é bem clara: “Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

Não há previsão de homofobia. Qualquer interpretação fora do texto viola a legalidade (art. 5º, caput, da CF), que é princípio caro ao Direito Penal e é também um Direito Fundamental do cidadão.

É sem dúvida odiosa qualquer conduta que crie ou estimule preconceito ou discriminação contra a população LGBT, devendo o autor responder, se for o caso, nos termos dos crimes já previstos de injúria e difamação, bem como na esfera civil. Um Ministro do STF, por mais bem-intencionado que possa estar, não pode rasgar a Constituição. Onze ministros não podem querer exercer a função para a qual foram eleitos 81 Senadores e 513 Deputados Federais, os quais têm a legitimidade para re-presentar os diversos segmentos da sociedade.

A questão é ainda mais sensível por termos eventual colidência com direitos humanos como os da liberdade de opinião, de expressão de pensamento, liberdade religiosa, liberdade de consciência e/ou liberdade de cátedra. Atualmente, vemos que opiniões acadêmicas, filosóficas, culturais, religiosas e outras, protegidas por direitos humanos reconhecidos universalmente, vêm sendo acusadas de serem homofóbicas. Há questões científicas envolvidas também. Por exemplo, ser contra a ideologia de gênero ou intervenções cirúrgicas em crianças e adolescentes pode ser visto como homofobia. Os livros religiosos de judeus, muçulmanos e cristãos têm textos expressos em que tratam da homossexualidade e não cabe ao STF criminalizar nada, ainda mais em tema onde apenas o debate sereno e no lugar próprio pode trazer solução adequada. Esses temas já estão levantados no Congresso e demandam grande cautela, para que não se criminalize a opinião, não haja crime de hermenêutica e muito menos se proíba alguém de ler e seguir seus respectivos textos sagrados, de pesquisar e produzir seus textos científicos ou filosóficos, e a todos de expressarem suas opiniões.

Há um grande abismo entre homofobia e opinião, cabendo ao Congresso, por meio de representantes eleitos, através do debate entre pessoas eleitas pelo povo, resolver esse desafio. É o que diz a Constituição. Quem quiser resolver esse assunto deve procurar o Congresso, jamais o STF. Sem isso, morre a democracia e nasce uma ditadura do STF.
É no mínimo contraditório que o STF permita esse descalabro jurídico quando a Corte tem diversos posicionamentos pró-direitos humanos e em favor das liberdades. No momento atual em que o país precisa de serenidade e união para enfrentar os atuais desafios esse tipo de pauta é um desserviço à democracia e só acirra a tensão entre os Poderes sem nada contribuir para a Nação. Há projetos de lei tramitando que podem criminalizar a homofobia (PL 122/2006 e Projeto de Código Penal), mas esta é questão a ser discutida no Parlamento, com os representantes do povo e a própria sociedade civil.

Quando um Poder extrapola suas competências e começa a impor sua vontade a outros e ao povo, agindo à margem da Constituição, começamos a ingressar em um campo perigoso. As ditaduras e a morte das democracias podem ter sua gênese em comportamentos de qualquer dos Poderes.

Esperamos que o STF tome a decisão correta e não crie um conflito sem sentido com o Congresso e com a sociedade, em respeito à Constituição Federal, a si mesmo, aos demais Poderes e à democracia.

Pr. Carlos Trapp

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